Corredores
10 Mar 2020CORREDORES
Um dos grandes mistérios da minha infância era a razão da existência de corredores. A ideia de que todos os cômodos deveriam dar em uma mesma área, cujas funções, além de conectá-los, não iriam muito além de provocar aglomerações, gravar cenas em filmes de terror e disparar crises de ansiedade em claustrofóbicos, não fazia muito sentido para mim.
Se, quando cresci, não aprendi arquitetura o suficiente pra justificar a existência dos corredores — Desenho foi minha pior matéria na Faculdade — , eu rapidamente compreendi a origem de sua popularidade. Eu não sei se os corredores são uma alternativa eficiente para conectar ambientes e permitir o trânsito de pessoas, mas posso comprovar que possuem função social.
Nenhum espaço é mais eficiente em te fazer topar com uma pessoa que você não via há tempos do que um corredor. Mais do que isso, nenhum encontro é mais eficiente que em um encontro no corredor. Em um mundo onde nosso tempo é cada vez mais escasso e nossas responsabilidades cada vez maiores, os corredores, quase diariamente, nos dão a oportunidade de converter os 5 ou 10 minutos ociosos entre dois compromissos em relações interpessoais produtivas. Poeticamente, isso não seria uma violação da Segunda Lei da Termodinâmica, aquela que expressa que, em sistemas fechados, a entropia, o grau de desordem de um processo, tende sempre a aumentar, nunca diminuir? Sim, os Corredores violam a Segunda Lei da Termodinâmica.
Uma das grandes vantagens dos encontros de corredor é sua flexibilidade. Afinal, não há nenhuma obrigação em um encontro de corredor. Alguns encontros são efêmeros e, ao se aproximar a hora do próximo compromisso, cada um segue seu caminho. Em outros, quando temos a sorte de ter todos indo em mesma direção, podemos estender o encontro até que um compromisso realmente comece. Certos encontros, por sua vez, são suficientemente bons que, para que sejam brevemente prolongados até, justificam até mesmo uma troca de caminho. Não foram poucas às vezes que acompanhei (ou fui acompanhado por) colegas em direção contrária à minha para prolongar a conversa, ainda que eu tivesse que voltar todo o caminho após isso. Alguns encontros geram encontros, começando no corredor e terminando, alguns dias depois, em cafés, almoços ou jantares. Existem, ainda, alguns encontros que se tornam importantes — ou, simplesmente, bons— o suficiente a ponto de fazer com que você abra mão de seu compromisso. Em todos esses encontros, no entanto, os Corredores fazem o trabalho mágico de mediar nossa falta de tempo com nossa saudade.
O quê eu mais gosto nos corredores? Serendipity. Eu não aprendi português o suficiente para explicar o que seria Serendipity, mas talvez isso possa ser traduzido para algo como encontrar, inesperadamente, alguma coisa valiosa que você não estava procurando. Ou, talvez, eu possa dizer que Serendipity é quando a maça cai na cabeça de Isaac Newton e, com isso, ele consegue fecha sua teoria sobre a gravidade. Eu fui apresentado à alguns dos que hoje são meus grandes amigos nos corredores. Várias das minhas melhores amizades foram forjadas em conversas de corredores. Eu diria que alguém pode determinar com relativa precisão meus amigos mais próximos apenas avaliando a frequência quem me acompanha nos corredores. Os Corredores que corrigem nosso instinto natural de, em meio à falta de tempo, empregar todo o nosso tempo sempre com as mesmas pessoas, nos dando a oportunidade de, inesperadamente, encontrar ou conhecer um pouco melhor as pessoas incríveis que, diariamente, passam por nossas vidas. Serendipity.
Eu gosto de pensar que cada corredor tem uma entrada e uma saída. Em alguns, entradas e saídas serão distintas, enquanto em outros, as entradas e saídas coincidirão, forçando as pessoas a voltarem para o mesmo lugar de onde vieram. Independentemente das entradas e saídas coincidirem ou não, no entanto, os corredores são capazes de cumprir sua função.
Ao passarmos em um corredor, existem pessoas que cruzam nossos caminhos, que nos acompanham até chegarem em seus destinos e outras que nos acompanham rumo a um mesmo destino.
Nesse semestre, entrarei pela última vez pelos Corredores da UnB — ainda sem saber se, nesses corredores, as entradas e saídas são mesmo distintas ou, um dia, acabarei voltando exatamente para o mesmo lugar de onde vim — imensamente agradecido a todos aqueles que toparam e aos que ainda vão topar comigo nos corredores, estando absolutamente seguro que, embora nem todos venham a me acompanhar por todo o caminho, vou sentir uma saudade imensa de todos os que tornaram, para mim, os corredores mais do que uma fria e claustrofóbica barreira de concreto.